sexta-feira, 31 de julho de 2009

Música, identidade e política (2001)

Ninguém dúvida da importância da música para o indivíduo e para a sociedade. Ela é tão importante que o poeta nordestino Geraldo Azevedo chega a afirmar que "quem inventou o amor teve certamente inclinações musicais" e, Rubem Alves, "que o povo cantou a Reforma antes mesmo de entendê-la" (Dogmatismo e Tolerância).

A música é significativa na identificação de um grupo social. Chega a ser símbolo nacional. No caso batista, a encadernação do Cantor Cristão, por razões econômicas e operacionais, junto com a Bíblia, gerou uma força simbólica tal que, para alguns, a autoridade de suas letras, como as da Bíblia, deveria ser indiscutível e insubstituível. Suas letras e melodias, continuam servindo de identidade para boa parte das reuniões de batistas.

É interessante analisar os resultados dos investimentos em educação musical, feitos pelas denominações, bem como da popularização tecnológica dos meios de reprodução de discos e partituras. Se por um lado, eles possibilitaram o crescimento e a proliferação da produção nacional de música evangélica, por outro, contribuíram para o enfraquecimento de um dos pilares simbólicos da nossa identidade denominacional, o Cantor Cristão.

A partir desse fato, houve uma divisão entre os que defendiam a manutenção exclusiva, nos cultos, dos hinos tradicionais do referido hinário e os que defendiam a inclusão de hinos e cânticos contemporâneos. O HINÁRIO PARA O CULTO CRISTÃO foi uma tentativa de conciliação, mesclando hinos antigos e novos com o propósito de, sobretudo, preservar a identidade batista. O maior obstáculo porém, a esse projeto, tem sido a tecnologia. É que é muito mais cômodo e menos oneroso cantar lendo uma projeção de um retroprojetor do que ter que adquirir e segurar um pesado livro. É muito mais fácil e agradável aprender novos hinos ouvindo-os através de um CD ou do rádio, no conforto do lar, do que repetindo-o, sob a orientação de um regente.

Sem perceber ou querer admitir essas realidades e na tentativa de fazer prevalecer um tipo de música em detrimento de outro, a postura de alguns tem sido a de combater a escolha musical alheia. Subliminarmente a "argumentos técnicos", subsiste uma velada disputa política, no sentido de fazer prevalecer gostos, costumes, crenças e valores. Em nome da boa "qualidade técnica", percebe-se a defesa de músicas oriundas de países colonizadores e a acusação das geradas na própria região ou em países subdesenvolvidos como sendo de mau gosto e, até, demoníacas. As executadas nos encontros da elite social são as de bom gosto e as cantadas pelas massas, ruins. Por isso, tão importante quanto avaliar a música evangélica em seus aspectos estéticos ou teológicos, seria colocar em xeque os pressupostos sociológicos embutidos na postura dos críticos.

Para a maioria das pessoas, a qualidade (conceito bastante relativo) de uma música está menos ligada a sua origem geográfico-econômico-cultural e mais às lembranças e sentimentos que suscita. Precisamos, por isso, superar o complexo de colonos, cujo ideal de vida é a vida dos colonizadores e, sem xenofobismo, investir numa educação musical democrática que garanta ao povo o direito que lhes é inerente, de fazer uso do que tem sido produzido em seu círculo, a fim de que, a partir dessa experiência, se continue a construir uma qualidade musical cada vez melhor.

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