sexta-feira, 31 de julho de 2009

Olhos de jardineiro (2001)

O Dia da Árvore de setembro de 1968 está gravado em minha memória. Nele aconteceu uma cerimônia no Colégio e uma árvore foi plantada. Mais do que uma árvore, naquele evento foi plantado oficialmente, em meu coração, um profundo amor e respeito pela natureza.

Já perdi as contas de quantas árvores ajudei a plantar. As mais antigas da calçada da Emanuel, foram plantadas no meu primeiro período de pastorado, em parceria com um vizinho, o Dr. Luiz de França, um dentista católico; as mais novas e os jardins, neste segundo período. Pelo menos 70% das atuais árvores do Colégio Americano Batista foram plantadas em minha gestão. Comprei pessoalmente parte delas e acompanhei a plantação.

Da infância, portanto, vem meu amor às plantas. Cultivávamos um jardim no quintal de casa. Era pouco ordenado e muito diversificado. Havia rosas, copos-de-leite, beijos, meios-dias, espirradeiras, margaridas, cravos, lírios, papoulas, sambambaias... Imaginem a "salada"! Não era planejado como a maioria dos que conhecemos nos elegantes edifícios de Boa Viagem. Mais do que pela estética paisagística, o cultivo se dava pelo amor às plantas. Não por acaso, portanto, uma das minhas músicas preferidas é "As Rosas não falam", de Cartola.

Diariamente molhávamos as plantas. E ao molhar, fazíamos pequenas intervenções visando seu desenvolvimento. Isso influenciou a construção da minha filosofia de vida, tanto em relação ao meio ambiente, quanto à maneira como encaro tudo o que faço. Aprendi que o desenvolvimento das coisas obedecem processos as vezes demorados; que precisamos semear, cuidar, proteger; que nem sempre seremos beneficiários diretos do que plantamos; que precisamos ser zelosos, pacientes...

Como pastor, não sonho construir patrimônios luxuosos, nem apresentar resultados estatísticos "evangelásticos". Não sonho com igreja famosa, com prestígio e poder. Sonho com uma igreja que ama o ser humano em todas as suas dimensões e se envolve em projetos que tornam este amor visível. Sonho com uma igreja que compartilha generosa e solidariamente o que é e o que tem. Sonho com uma igreja que não espera alguém fazer o que deve ser feito, mas que toma a frente e faz. Sonho com uma igreja envolvida em atividades espirituais como a arborização de Boa Viagem ou a preservação do meio ambiente pois, por emanar de Deus, a vida toda é espiritual. (Quantos estão conscientes de que estamos a duzentos metros da maior área de mangue urbano do Brasil, que resiste ferozmente aos ataques especulativos das construtoras e dos que querem multiplicar, a qualquer custo, seu capital?).

Tudo o que faço é para aproximar a igreja desses sonhos. Por isso me alegro com pequenos sinais de movimento em direção a eles. Talvez por isso noticio com tanta alegria "acontecimentos insignificantes", como uma porta, uma janela, um aparelho de ar condicionado, um tijolo ou uma pedra de cerâmica que conseguimos colocar a cada semana nas salas em que nossas crianças - as economicamente privilegiadas e as empobrecidas - estão sendo educadas. Não porque me alegre com pouco, mas porque olho com olhos de jardineiro.

As vezes a impaciência invade. É que as condições econômicas que aparentamos - casa, carro, roupas, lugares que freqüentamos - é incompatível com a nossa contribuição financeira para a causa. E quando me impaciento, recordo-me do falecido Pr. Luiz de Assis, meu primeiro conselheiro ministerial. Tínhamos um pacto: sempre que eu fugisse da regra oficial da língua portuguesa, ele me corrigiria. Ele fazia isso através de bilhetes. Um dia, depois de revelar minha impaciência com a lentidão dos resultados, numa pregação que fiz à Igreja Batista do Pinheiro, ele escreveu-me o seguinte: "Edvar, coentro nasce em semanas; carvalho, leva décadas. O que você está plantando?". Ao corrigir "minha língua", seu bilhete trouxe paz ao meu espírito. Devolveu-me olhos de jardineiro.

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