sexta-feira, 31 de julho de 2009

Administração de conflitos e crescimento da Igreja (10.1999)

Que todo relacionamento é conflituoso é uma afirmação fácil de ser comprovada. O difícil é conviver com conflitos e diferenciar quando ele se encaixa nos padrões de “normalidade” e pode ser útil ao desenvolvimento da igreja, de quando é neurótico, transformando-se em problema e motivo de atrofiamento da instituição.

Em princípio podemos afirmar que um conflito é criativo quando se estabelece num clima onde reina o respeito, a liberdade de expressão e a busca do aperfeiçoamento da organização. Neste caso, as diferenças, os diversos pontos-de-vista, são analisados com tranqüilidade e conduzem ao crescimento e desenvolvimento do corpo. Quando entretanto, ele se estabelece por motivos obscuros, em situações aparentemente despropositadas, poderá se tornar um entrave ao desenvolvimento da igreja.

Um conflito mal conduzido pode causar tal divisão que reino algum pode subsistir. É o próprio Jesus quem afirma este princípio quando foi acusado pelos escribas de estar possesso e de expulsar demônios pelo príncipe dos demônios (Mc. 3.24-26). Aliás, resolver conflitos é tão importante para o crescimento da igreja que, ao orar por seus discípulos, Jesus clama pela unidade como meio eficaz de conduzir pecadores à fé(Jo. 17.20-21). Se não bastasse a dificuldade que qualquer ser humano tem de conviver em ambiente conflituoso, a presença de conflitos, além de colocar em risco a unidade, o crescimento ou a sobrevivência da igreja, é incompatível com a teologia da cruz que define a morte de Jesus como único caminho de reconciliação do homem com Deus e com seus semelhantes; como meio de romper com os muros da separação; como fator determinante num relacionamento marcado pela paz.

I. EXEMPLOS DE CONFLITOS NO NOVO TESTAMENTO
Os primeiros discípulos de Jesus e a igreja primitiva, tão decantados como modelos para nós, não eram imunes de conflitos. Lendo o Novo Testamento podemos destacar os seguintes casos:

1.1. CONFLITO DE AUTORIDADE (Mc. 9.40) - Neste caso, o entendimento dos discípulos era que só deveriam expulsar demônios em nome de Jesus, aqueles que seguiam a Jesus com eles. Hoje este tipo de conflito tem dificultado o crescimento da igreja porque continuamos a disputar, em termos denominacionais, doutrinários e teológicos, sobre quem tem ou não autoridade para agir em nome de Jesus. Enquanto lutamos entre nós, perdemos tempo e autoridade diante daqueles que necessitam do evangelho. A orientação clara de Jesus - quem não é contra nós é por nós - foi e deve continuar sendo o referencial para a solução deste tipo de conflito.

1.2. DESEJO DE PODER (Mc. 10.35) - Neste caso, os discípulos começaram a indignar-se com Tiago e João pelo desejo, manifesto por estes, de ocuparem as cadeiras mais próximas de Jesus - um à direita e outro a esquerda - na glória. Jesus chamou-os para uma reflexão, mostrando que, no reino de Deus, o sinal de poder não é a posição que se ocupa mas o serviço que se presta. Na igreja de hoje não são poucos aqueles que têm disposição para ocupar cargos de destaque que conferem poder e prestígio, mas que não demostram disposição para o serviço despretensioso e incondicional ao semelhante. Tal atitude, além de causar indignação e ser motivo de conflito, dificulta o andamento dos trabalhos, pelo fato de, tais cargos, não serem exercidos em prol do desenvolvimento do reino e sim de interesses meramente pessoais.

1.3. CLAREZA DE PAPÉIS E MOTIVAÇÕES (Lc. 12.13) - Neste caso, o conflito se estabeleceu entre dois irmãos que eram beneficiários de uma herança. Um não recebeu sua parte e, aproveitando a presença de Jesus, pediu que interferisse no caso. Jesus não apenas negou-se a exercer o papel de Juiz mas também foi à origem do conflito, que era a avareza. No exercício da administração eclesiástica é necessário que haja lucidez a fim de que possamos identificar, com clareza, a causa dos problemas e tenhamos consciência nítida de qual é o nosso papel diante de um conflito. Do contrário, em vez de ajudar, acabamos por colocar mais lenha na fogueira, mesmo que não seja este o nosso interesse.

1.4. RAZÃO NA SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIAS (At. 15.16-31)- Neste caso, o conflito se estabeleceu porque Barnabé entendia que devia levar Marcos na segunda viagem missionária que faria. Paulo entendia que Marcos não deveria ir. Parece que Barnabé defendia uma segunda oportunidade para João Marcos, o que não coincidia com o pensamento de Paulo. O conflito se estabeleceu e a solução foi a separação. Barnabé seguiu com João Marcos para Chipre e Paulo seguiu com Silas pela Síria e Celícia. Conquanto tenha havido uma forte desavença, parece que a solução foi construtiva para o desenvolvimento do Reino pois a separação, naquele momento, foi uma alternativa racional e não passional para uma divergência de opinião.

1.5. O DIÁLOGO E A TRANSIGÊNCIA COMO SOLUÇÃO DE CONFLITOS (At. 15.1-35) - Neste caso, havia dúvidas sobre as práticas doutrinárias adotadas por Paulo e Barnabé no campo missionário, segundo a percepção dos Cristãos-Judeus. Foi convocada uma assembléia dos apóstolos e anciãos e o assunto foi discutido amplamente, chegando-se a um acordo que pode ser assim resumido:
a) Não colocar um novo julgo sobre os gentios discípulos;
b) Não perturbar os gentios que se converteram;
c) Manter algumas orientações de Moisés em respeito aqueles que seguem tais orientações em cada cidade.
Isto significa que houve flexibilidade em ambos os lados. Caso houvesse radicalizações o crescimento da igreja certamente seria afetado.

1.6. A INCOERÊNCIA COMO FONTE DE CONFLITO (Gal. 2.11-14) - Neste caso, Pedro teve uma postura com os gentios na ausência dos Judeus e outra na presença, gerando um conflito. Paulo chamou sua atenção diante de todos e parece que a solução foi positiva. O conflito não foi evitado mas foi conduzido de modo construtivo.

1.7. O CONFLITO POR NECESSIDADES MATERIAIS (At. 6.l-7) - Neste caso, o conflito se estabeleceu na igreja porque as viuvas helenistas sentiam-se preteridas na distribuição diária (provavelmente ajuda para o sustento). A definição de papeis e a delegação de poderes a pessoas escolhidas pela igreja, para cuidar dos problemas sociais da comunidade, foi a solução para o conflito.
Estes exemplos mostram a veracidade da afirmação inicial de que todo o relacionamento é conflituoso; desmistifica a idéia de que os apóstolos e os cristãos primitivos eram imunes a conflitos; abre espaço para a nossa reflexão sobre como solucionar conflitos de forma favorável ao crescimento da igreja.

II. CAUSAS MAIS COMUNS DE CONFLITO NOS DIAS DE HOJE
Os conflitos dentro da igreja podem acontecer pelas mais diferentes razões. As razões que seguem estão entre as mais comuns:

2.1. TRANSFERÊNCIA DE PROBLEMAS PESSOAIS - Há pessoas que, por problemas na formação da personalidade, tendem a não aceitar e muito menos encarar suas próprias dificuldades. Geralmente não se apercebem dos seus problemas e, na convivência em grupo, sempre transferem a causa das dificuldades nas quais se envolvem para fatores externos, geralmente o outro. 

2.2. FOFOCAS - Em termos psicológicos as pessoas que se envolvem em fofocas podem ser compreendidas como personalidades caracterizadas por um complexo de inferioridade. Como afirma Rollo May(1987 ) “...no esforço por prestígio, a depreciação de outras pessoas é proporcional à elevação do próprio indivíduo, pois à medida em que eles decaem, automaticamente, o indivíduo adquire maior superioridade... O indivíduo normal mantém essa tendência sob controle e orienta seus esforços para interesses sociais... o neurótico orienta seus esforços numa linha anti-social e tenta subir, usando outras pessoas como se fossem degraus de uma escada”. Do ponto de vista da ética, fazer fofoca é levar um problema de uma pessoa para um terceiro que tem condições iguais ou inferiores à nossa, para resolvê-lo. Este mal que destrói vidas(Tg.3.1-8) tem sido causa de conflitos na igreja, dificultando o crescimento.

2.3. DIFERENÇAS PESSOAIS - Mesmo em comunidades mais homogêneas as diferenças pessoais se fazem presentes no campo das idéias(doutrina, política, economia...); dos sentimentos; da formação, da visão administrativo-organizacional, etc.. Tais diferenças podem ser profundamente enriquecedoras para o crescimento da igreja, quando trabalhadas com maturidade, espiritualidade e inteligência. Quando entretanto isto não ocorre, os conflitos tendem a agravar-se. 

2.4. BARREIRAS DE COMUNICAÇÃO – Infelizmente, nem sempre conseguimos expressar o que sentimos ou o que pensamos. Muito comumente usamos palavras que não refletem plenamente nossos sentimentos, fato que se constitui barreira à comunicação. Silvino José Fritzen(1990) clareia bem o assunto quando diz: “O ouvir é algo muito mais complicado do que o processo físico da audição ou de escutar. A audição se dá através do ouvido, enquanto que o ouvir indica um processo intelectual e emocional que integra dados físicos, emocionais e intelectuais na busca de significados e compreensão. O ouvir eficaz ocorre quando o emissor é capaz de discernir e compreender o significado da mensagem do emissor... A expressão facial é a mais primária forma de comunicação, que exerce grande influência sobre as pessoas. A influência da expressão facial, negativa ou positiva, tem uma influência de até 10 metros”.

2.5. FALTA DE LEALDADE - ( Pv. 27.6) - Ser leal é ser sincero, franco, honesto e fiel aos compromissos. É respeitar as regras do jogo ou contestá-las de forma construtiva. Onde há lealdade há espaço para crescimento porque confiamos nas atitudes dos outros. Esconder falhas alheias ou denunciá-las sem amor é falta de lealdade.

III. ATITUDES DO ADMINISTRADOR DIANTE DOS CONFLITOS
Quando o administrador eclesiástico é parte do problema e não consegue resolvê-lo, um bom caminho é solicitar auxílio de terceiros ou, dependendo da gravidade, encaminhar o problema à igreja solicitando que seja eleita uma comissão, formada por pessoas neutras, experientes e cordatas, a fim de que o caso seja examinado e uma solução seja indicada. Neste caso, é preciso que se tenha consciência do grau de exposição a que se estará submetendo, dos conseqüentes desgastes e se preparando para agir com ética, seja qual for a conclusão da investigação.

O problema maior é que nem sempre admitimos a possibilidade de, nós mesmos, sermos parte do problema. É preciso amadurecimento, humildade, para, antes de tudo, analisarmos, em profundidade, nossos verdadeiros sentimentos e perguntarmos honestamente: qual é a minha parte neste conflito? Num conflito interpessoal é sempre bom que, como ponto de partida, adotemos o pressuposto de que, até que se prove o contrário, cada parte é responsável por 50% do problema.

Quando não faz parte, pessoalmente, do problema é fundamental que, como administrador de conflitos, não se posicione partidariamente. Antes, fazendo o papel de facilitador, deve ouvir as partes, entender as causas do conflito e auxiliar na busca de uma solução.

Em qualquer dos casos, é fundamental que o administrador tenha clareza dos seus próprios sentimentos diante da situação a fim de administrar tais sentimentos e a situação de forma construtiva.

IV. ATITUDES QUE AJUDAM X ATITUDES QUE PREJUDICAM
Humildade X Orgulho
Paciência X Ansiedade
Diálogo X Partidarismo
Perspicácia X Ingenuidade
Busca de auxilio externo X Auto-suficiência
Realismo X Falsa espiritualidade
A maioria dos casos de demissão, nas empresas, acontece mais por problemas de relacionamento do que por deficiências técnico-pessoais. Com relação ao crescimento da igreja o mesmo também é verdadeiro. Não é a falta de conhecimentos, equipamentos, possibilidades estratégicas, etc... que emperram o crescimento da igreja. Antes, é a nossa incapacidade de lidar com problemas interpessoais. Se prestarmos atenção aos exemplos supracitados há uma razoável chance de não agirmos de maneira equivocada, dando assim importante passo para minimizar ou evitar conflitos e, assim, contribuir para o crescimento da igreja.

Referências bibliográficas:
May, Rollo. A ARTE DO ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO, Petrópolis, Editora
vozes Ltda., 1987.
Fritzen, Silvino José. JANELA DE JOHARI, Petrópolis, Editora Vozes Ltda., 1990.

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