sexta-feira, 31 de julho de 2009

Fundamentação e fundamentalismo (I) (2002)d

A construção de fundamentação teórica para nossas crenças e ações é uma necessidade incontestável. Se assim não fosse, não haveria necessidade, no meio científico, do uso de metodologia científica no desenvolvimento de projetos de pesquisa. O que se busca através da metodologia científica é a construção de fundamentos sólidos para sustentar a tese defendida.

Os fundamentos teóricos são tão importantes na construção do conhecimento que nos cursos de graduação, por exemplo, estuda-se os fundamentos filosóficos, sociológicos, psicológicos etc., da área de estudo em que se pretende graduar. Até mesmo nos estudos da religião, os fundamentos são construídos não somente em bases teológicas mas também à luz das diversas áreas do conhecimento. Exs.: filosofia da religião, psicologia da religião, sociologia da religião...

As doutrinas são a coluna vertebral de uma igreja, por isso, devem ser solidamente fundamentadas. E o fundamento sólido para as igrejas Protestantes são as Escrituras Sagradas. As Escrituras são o crisol em que o que se afirma ou se faz é provado. A autoridade das Escrituras devem Ter supremacia sobre a autoridade dos Concílios, já defendia Lutero. (Diga-se de passagem, Lutero não era contra a autoridade dos Concílios da Igreja Católica; era contra sua pretensa superioridade em relação às Escrituras). O problema é que, se nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação (II Pd 1.20), mesmo se estabelecendo as Escrituras como regra de fé e prática, sempre haverá necessidade de algum tipo de concílio para debater e bater o martelo, definindo qual interpretação de determinado assunto deve ser tida como verdadeira. E se a decisão é da coletividade, o processo de definição do verdadeiro, neste caso, é político, isto é, prevalece a compreensão da maioria. Entretanto, se a maioria nem sempre é detentora da verdade, começa a surgir aí uma primeira luz de diferença entre fundamento e fundamentalismo. É que a maioria vencedora nem sempre é humilde para admitir que a verdade estabelecida por critérios políticos - a vontade ou compreensão da maioria – conquanto mereça ser respeitada em seu grupo, jamais deve ser posta como absoluta para todos. A absolutização da verdade defendida por um grupo e o desrespeito ao direito do outro, mesmo minoria, de pensar diferente é uma postura fundamentalista.

Toda fundamentação parte de um pressuposto teórico e em todo pressuposto teórico há um ato de fé, mesmo que não envolva questões religiosas. “A fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem” (Heb. 11.1). Pressupostos são afirmações que servem de ponto de partida para a construção de uma teoria ou fundamentação de uma prática. Se é pressuposto teórico não pode ser lei, portanto, não pode ser absoluto. A afirmação teológica, por exemplo, de que a Bíblia é a Palavra de Deus, é um pressuposto teórico que abraçamos pela fé. Pode ser absoluto para minha vida, por uma razão de fé, mas não posso impor que assim seja para a vida dos outros, especialmente considerando que nem mesmo os textos bíblicos se afirmam explicitamente como tal. Por mais malabarismos que se tenha feito ao longo da história, até aqui não se tem conseguido provar, através de metodologias científicas, a veracidade desse pressuposto. Tanto isso é verdade que entre os que se aprofundam no tema há profundos debates, havendo quem defenda que a Bíblia é a Palavra de Deus, quem defenda que ela contém e os que defendem que ela se torna. E em todas as três correntes encontramos pessoas piedosas, tementes a Deus e comprometidas com seu Reino.
O fato de não haver prova científica desse pressuposto não tira a autoridade espiritual ou normativa da Bíblia para a vida da Igreja; porém, deve ser um motivo a mais para respeitarmos o direito que as pessoas têm de se submeterem ou não à essa autoridade. Crer ou não crer na Bíblia como a Palavra de Deus não é uma questão de Ter mais ou menos fé mas de compreender a história de sua formação por ângulo diferente. Deve, portanto, prevalecer o princípio bíblico defendido pelos batistas, rejeitado pelos fundamentalistas, da liberdade de crença.

O respeito a liberdade de consciência defendida pelos batistas deveria ser profundamente estudado a fim de que compreendêssemos que não é possível ser batista e fundamentalista.

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