sexta-feira, 31 de julho de 2009

O paletó e o decoro parlamentar (2002)

Durante a realização da Copa do Mundo de Futebol, o Senador Eduardo Suplici tirou seu paletó, enquanto se pronunciava na tribuna do Congresso e estampou, com orgulho, a camisa da Seleção Brasileira. Esse ato foi amplamente divulgado e o curioso é que falou-se na possibilidade de cassação de mandato por falta de decoro parlamentar. Segundo o Aurélio, decoro é "correção moral, compostura, decência, dignidade, nobreza, honradez, brio...". Se decoro é isso, por que o ato do Senador poderia ser considerado falta de decoro? Seria porque o uso do paletó é obrigatório naquela casa e, portanto, tirá-lo significou desobediência?

O paletó, do francês paletot, surgiu no início do século XIX mas foi a partir do início do século XX que ganhou o formato dominante em nosso dias e passou a ser classificado, em nossa cultura, como a vestimenta mais adequada para ocasiões formais. Até aí nenhum problema, pois o uso de vestimentas pelos seres humanos não ocorre somente para proteger nossos frágeis corpos do frio, do calor, do sol, da chuva, do vento, do tempo, enfim. Moisés, por exemplo, em sua narrativa da criação, justifica o uso de roupas por razões morais(Gen. 3.11,21) e, posteriormente, pelas mesmas razões, as utiliza para diferenciar homens de mulheres(DT. 22.5). As roupas, portanto, podem ser usadas, dentre outros, para desestimular ou estimular a sensualidade; para diferenciar gênero, profissão e funções sociais; para compensar baixa auto-estima; para esconder o que não gostamos em nossos corpos; para simbolizar poder e prestígio ou, simplesmente, para possibilitar inserção em determinados grupos ou segmentos sociais. Isso tanto é verdade que o presidenciável Lula, por exemplo, passou a usar paletó para ser aceito pelas elites, enquanto José Serra tirou-o, para conquistar as camadas mais populares. É o paletó sendo usado simbolicamente. A pessoa parece, mas não é!

Curioso, entretanto, é associar o uso do paletó ao decoro. Curioso porque decisões político-econômicas indecorosas que causam profundos prejuízos à maioria das populações são tomadas justamente por homens de paletó. Tais decisões não nos chocam como os seqüestros, os estupros ou assaltos seguidos de morte porque seus efeitos, conquanto danosos, só podem ser mensurados posteriormente, através de estatísticas, sem qualquer influência no "ibope" das empresas de comunicação. Escândalos financeiros que envolvem milhões, são praticados por homens que vivem escondidos dentro de um paletó. Dentro de um paletó parcela significativa dos representantes políticos se agridem verbalmente, se locupletam com a miséria alheia, se beneficiam da máquina, do poder e do dinheiro público e são reverenciados pelo status concedido por nós, através do voto, status reforçado pela aparência de formalidade e integridade de seus decorosos ( ou decorativos? ) paletós.

Se a cultura diz que esse é o traje da respeitabilidade porque não tirar proveito desse equívoco cultural do século passado? Se o essencial na política - o respeito ao cidadão - tem sido invisível aos olhos, nada melhor do que um belo paletó para disfarçar! E, se além disso, ainda se pode rechear o contracheque com um bom e, esse sim, indecoroso "auxílio paletó", melhor ainda! Assim raciocina boa parte dos homens que agora estão correndo atrás do seu e do meu voto.

Estamos em período eleitoral. Prestemos atenção aos paletós, pois dentro deles estarão aqueles que, legalmente, vão decidir os rumos do país nos próximos anos. Tiremos os paletós deles agora para enxergar um pouco melhor suas almas e, quem sabe, melhorar a qualidade dos nossos representantes.

Obs. Um dia, talvez, escreverei o que penso do uso de paletó por nós pastores.

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