sábado, 1 de agosto de 2009

Paripueira, música e teologia (2005)

Voltar a Paripueira - acampamento dos batistas alagoanos - é algo que se faz com muito prazer. Nada se compara à caminhada ao anoitecer, à beira-mar. De um lado, o som das palhas dos coqueiros; do outro, o ir e vir das ondas do mar e, pra completar, um facho de luz prateada, reflexo da lua, nos acompanhando sobre as águas, como uma trilha entre nós e o infinito.

Emocionei-me em Paripueira. Por vezes, durante as reuniões da Fraternidade Teológica Latino-Americana, arrepiei-me ao cantar melodias regionais que há muito não cantava. Cantar canções de estímulo à ação solidária e não só à contemplação, em ritmos latino-americanos, com letras que nos desafiavam a uma postura diferente da dominante, fez-me muito bem.

Vinte dias antes, meu filho e eu estivemos no Teatro Castro Alves, em Salvador. O ambiente era sofisticado, ar-condicionado, público silencioso... A Orquestra Sinfônica da Bahia se apresentava, sob a regência de Piero Bastianelli, com participação especial da pianista Beatriz Pimentel. Ao ouvir a Sinfonia nº 5, Op. 107, “A Reforma”, de Felix Mendelssohn, emocionei-me profundamente ao som de “Castelo Forte”. Em Paripueira o ambiente do “palhoção” era simples, a brisa do mar nos refrescava e o movimento das folhas dos coqueiros e manguezais nos convidavam a dançar suavemente, pois reinava alegria, paz e liberdade.

Da mesma forma que me emocionei ao ouvir “Castelo Forte”, arrepiei-me ao cantar “Conceitos e Preconceitos”, em ritmo de ciranda (“Ai, os conceitos de vida que aos outros impomos por acharmos tão bons. Ai, preconceitos da gente, jeito, gestos e comida, cores modos e tons. Desce do céu o lençol das mudanças. Grego e Judeu, numa mesma esperança. Cristo rompeu, interrompeu preconceitos que nos separam. Cristo venceu, ele nos deu os conceitos de vida e paz”. (Guilherme Kerr Neto e Jorge Rehder)).

Fiquei pensando em como Deus pode usar o clássico e o contemporâneo e como, cada um em seu contexto, podem nos motivar em nossos compromissos espirituais. Pensei muito na música como veículo de teologia e na necessidade dos músicos compreenderem isso. Pensei, principalmente, em como os teólogos precisam se convencer de que teologia sem arte é letra sem espírito, fé sem ação, piada sem riso, igreja sem devoção, relacionamento sem afeto, família sem comunhão...

As emoções não pararam por aí. Em Paripueira experimentei, novamente, a liberdade de ouvir pensamentos que voavam publicamente. É que o fazer teológico não estava condicionado aos limites dos acordos políticos silenciosos existentes no âmbito dos partidos religiosos. No fazer teológico dos partidos é inevitável a presença de policiais do pensamento, cuja função é constatar se o que se diz se encaixa nas definições dominantes, denunciando os “infratores” aos tribunais da inquisição.

Mesmo entre nós batistas - defensores históricos da liberdade de pensamento – cresce a idéia de que o fazer teológico deve ser aceito somente até os limites do desejo daqueles que insistem em descolorir e uniformizar o mundo. É por isso que, quando um estudioso, interessado em aprofundar verdades divinas e não em agradar políticos da religião, ousa sair desse parâmetro, seus pensamentos são imediatamente denunciados como “poderosa arma do diabo”.

Tendemos a classificar de diabólico, aqueles cujo pensamento se opõem ao nosso, afinal, diabo significa adversário. Porém, vale prestar atenção ao que diz Rubem Alves: “O número de demônios vistos do lado de fora é precisamente igual ao número de demônios que moram dentro daquele que os vê”. (Rubem Alves, “Entre a ciência e a sapiência”).

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