sábado, 15 de agosto de 2009

Cristo e as exigências do Reino

Textos:
Texto bíblico - Mateus 19 e 20
Texto áureo - Mateus 19.7-8

Comentários da lição:
As exigências do Reino de Deus são mais profundas do que o legalismo farisaico predominante tanto na época de Jesus como, com outras nomenclaturas, em nossos dias. Cabe a cada discípulo de Jesus compreender tais exigências em profundidade a fim de que elas sejam perseguidas no cotidiano, debaixo da graça de Deus, portanto, sem o fardo opressor de posturas fundamentalistas.

Essa "perseguição" aos ideais divinos deve ser fruto de um desejo interior espontâneo, consciente, no sentido de fazer a vontade de Deus por acreditar que ela é "boa, agradável e perfeita"(Rom. 12.2) e não como condição para salvação ou para satisfazer qualquer imposição externa, seja de alguma autoridade pessoal ou institucional.

Mateus 19.1-12 - A exigência da fidelidade conjugal

Mais uma vez vemos Jesus sendo experimentado pelos Fariseus e, neste caso, o propósito era envolvê-lo numa disputa existente em Israel. É que, segundo os historiadores, duas escolas polarizavam o pensamento da época em torno do divórcio: a Escola de Shamai e a Escola de Hilel. Elas divergiam em torno da interpretação do texto de DT. 24.1 "Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, se ela não achar graça aos seus olhos, por haver ele encontrado nela coisa vergonhosa, far-lhe-á uma carta de divórcio e lha dará na mão, e a despedirá de sua casa".
A primeira interpretava "coisa vergonhosa", de forma restrita, permitindo o divórcio somente em caso fornicação; a segunda, interpretava essa expressão de forma ampla, sendo, portanto, mais liberal quanto aos motivos.
Mateus registra as palavras de Jesus de forma favorável ao divórcio em caso de adultério, enquanto Marcos (10.11-12) e Lucas (16.18), não registram qualquer exceção.

Diante disso, é importante reafirmarmos aqui que, ao se posicionar, Jesus não está estabelecendo uma nova lei(ver lição três). Ele se posiciona trazendo à mente dos ouvintes o ideal de Deus que era o casamento indissolúvel. Porém, reconhece que a realidade - "a dureza dos corações" - levou Deus a permitir alternativas, visando o mal menor, para o bem estar individual e social. As palavras de R.G.V. Tasker (Mateus, Editora Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, 1980) expressam bem a resposta de Jesus: "Se quereis dizer por algum motivo, minha resposta é sim; se quereis dizer por qualquer motivo, minha resposta é não"

Mateus 19.13-15; 20.29-34 - A exigência em relação às crianças e aos necessitados

Ainda que não fiquem claros no texto, os motivos que levaram os discípulos e a multidão a repreenderem as pessoas que desejavam se aproximar de Jesus, podemos supor que não se tratava apenas de preocupação com a tranquilidade de Jesus. É possível que a discriminação se deu pelo pouco valor que as crianças e os cegos tinham na sociedade de então.

Nos dois casos Jesus se interpõem entre eles, favorecendo os interesses das crianças e dos cegos, tratando-os com a devida atenção.

Com relação às crianças, o fato de Jesus tê-las abençoado, dando-lhes um status diferente, certamente descortinou novos horizontes nas comunidades cristãs de então e nas sociedade cristãs posteriores, em relação à importância delas na sociedade. O mesmo podemos dizer com relação aos cegos.
A compaixão de Jesus pelos cegos e a elevação das crianças ao status de referenciais para a cidadania no Reino, são duas exigências que devem ser observadas por cada discípulo de Jesus.

Mateus 19.16-30 - A exigência de colocar Deus no centro da existência

Observamos que o jovem estava interessado na salvação, era um fiel cumpridor dos mandamentos divinos mas convivia com um problema que é a base de todos os problemas espirituais: Deus não era o centro de sua vida. Sua riqueza ocupava o lugar central, por isso, entristeceu-se quando Jesus recomendou que ele se desfizesse dela para seguí-lo. O problema, portanto, não era a riqueza em si mas o lugar que ela ocupava em sua vida. E, diante da fascinação que a riqueza exerce sobre o ser humano, somente a ação da graça de Deus pode tornar possível uma mudança de vida(Mt. 19.25-25)

Paulo ensinaria, posteriormente, que, não o dinheiro, mas o amor a ele, seria a razão de todos os males (I Tim. 6.10) e, por isso, a vida humana deveria girar não em torno da "...incerteza das riquezas, mas em Deus, que nos concede abundantemente todas as coisas para delas gozarmos..." (I Tim. 6.17-19).

Quando a riqueza ocupa o centro da existência humana, as pessoas, como o Jovem Rico, viram suas costas para todas as exigências do Reino, se ensimesmam e são capazes de transformar seus semelhantes em objetos descartáveis ou simples ferramentas, para acumulá-la.

Mateus 20.1-16 - As exigências do Reino e a bondade de Deus

A história tem registrado múltiplas possibilidades de interpretação desta parábola, inclusive de forma alegórica. Até mesmo como fundamento para reprovar movimentos grevistas ela já foi usada. Porém para que possamos entendê-la precisamos vinculá-la aos versos 23 a 30 do capítulo 19 que se apresentam assim:
1. Jesus ensina que é difícil um rico entrar no Reino de Deus(19.23);
2. Os discípulos são pegos de surpresa com o ensino de Jesus(19.25);
3) Jesus ensina que Deus pode tornar possível a salvação de pessoas apegadas à riqueza(19.26);
4) Pedro supõe que, se uma pessoa apegada à riqueza poderia ser salva, os discípulos que deixaram tudo teriam uma recompensa maior(19.27);
5) Jesus promete uma situação especial aos que se dispõem a colocá-lo em primeiro lugar(19.28-29);
6) Jesus faz a ressalva que resguarda a soberania de Deus para recompensar as pessoas segundo seus próprios critérios;
7) Jesus aplica a parábola para clarear que a salvação é fruto da bondade de Deus, baseada em critérios próprios e não em critérios humanos(20.1-16).

A nossa compreensão a respeito das exigências do Reino de Deus não devem ser usadas como parâmetros para fazermos julgamentos a respeito da vida alheia em relação à salvação pois, como revela a parábola, a lógica divina nem sempre é igual à lógica humana.

Mateus 20.20-28 - O serviço como exigência do Reino

Prendendo-se às palavras de Jesus sobre o lugar que os discípulos ocupariam na glória de Deus (Mt. 19.28), não se contentando com isso e o que é pior, sem considerar seus ensinos sobre a soberania divina(19.30 - 20.1-16), a mãe de Tiago e João gera indignação nos discípulos ao pedir que, a seus filhos, seja concedido o privilégio de, na Glória, se assentarem imediatamente ao lado de Jesus.

O texto deixa claro que, ainda que passassem pelos mesmos sofrimentos que Jesus passaria(20.22-23; 20.17-19), isto não lhes garantiria a recompensa que desejavam pois, Jesus insiste, Deus é soberano na forma de recompensar seus servos(20.23). E, mais uma vez, Jesus chama a atenção deles para o fato de que a lógica divina não é igual à lógica humana, ao ensiná-los que o modelo que rege as relações interpessoais no Reino de Deus(20.26-28) não seria o mesmo vigente na cultura conhecida(20.25). No reino de Deus as pessoas seriam valorizadas por sua disposição para servir e não pelo desejo de serem servidas. O líder teria que ser, antes de tudo, servo!

A LIÇÃO EM FOCO

1. O tema divórcio divide opiniões há milênios. O amparo bíblico que cada lado encontra é diferente em função dos pressupostos hermenêuticos que cada um adota.
Tratar o tema de forma fundamentalista, isto é, aplicando os textos bíblicos na sua forma literal, desconsiderando o contexto em que foram escritos, gera graves problemas.
Por exemplo: se aplicamos literalmente o texto de Deuteronômio 24, no que se refere ao divórcio, deveríamos também lutar pelo pagamento diário e não mensal, dos salários aos trabalhadores(24.14-15); deveríamos lutar para que os recém-casados tivessem direito a um ano de folga(24.5); deveríamos, em caso de lepra, seguir a orientação dos sacerdotes(24.8) e não a orientação médica.

Além disso, por uma questão de honestidade, não podemos deixar de considerar que: 1. A lei de Moisés apresenta a possibilidade de divórcio, apresentando motivo subjetivo: "...se ela não achar graça aos seus olhos, por haver encontrado nela coisa vergonhosa..."(Dt 24.1);
2). De acordo com Marcos, Jesus apresenta aos Fariseus a posição do ideal divino, em que não deveria acontecer o divórcio(Mc. 10.6-9) e, em relação ao novo casamento, sua posição é contrária a de Moisés(Mc 10.11-12);
3. De acordo com Lucas, a ressalva é apenas quanto ao novo casamento, o que contraria o ensino de Moisés (Lc. 16.18; Dt. 24);
4) De acordo com Mateus, Jesus, diferente da lei de Moisés, especifica mais a exceção, apontando a "Infidelidade" (Mt. 19.1-12);
5) Paulo, por sua vez, reconhece outra exceção diferente da de Jesus e de Moisés, no caso do cônjuge incrédulo o requerer(I Cor. 7.11,15).
Diante disso, uso a pergunta de Plínio Moreira da Silva(O divórcio e a Bíblia, Eleva, Editora de Livros Evangélicos Ltda, São Paulo, 1986): "Se a fornicação era motivo legítimo para uma ação de divórcio no tempo de Jesus e, mais tarde, a incompatibilidade religiosa veio a ser motivo legítimo para Paulo, não teriam surgido, no decorrer do tempo, outros motivos, igualmente significativos para outras gerações e culturas?"

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