sábado, 1 de agosto de 2009

Profissionais e solidários (2005)

“Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao pai de vocês, que está nos céus”. (Mateus 5.16)


Conheci Emerson, oftalmologista, quando pastoreei a Igreja Batista Emanuel em Boa Viagem, no Recife. Ele tornou-se membro da Igreja no período em que reestruturávamos a área de atuação social e criávamos o NASCE - Núcleo de Atuação Social Cristã Emanuel. Antes, porém, de falar sobre como ele nos inspirou, creio ser importante esclarecer a proposta para o NASCE que estava no coração dos que participaram de sua organização.

O NASCE nasceu para ser um espaço de solidariedade. Foi criado com personalidade jurídica autônoma, tendo a Igreja como mantenedora. Foi estruturado pensando na possibilidade de atuar, também, em convênio com organizações governamentais e não governamentais. A idéia central, porém, era possibilitar aos membros da Igreja um espaço no qual pudessem compartilhar seus conhecimentos em favor não somente dos empobrecidos que vivem há anos abaixo da linha de pobreza, mas também, dos empobrecidos por desemprego ou arrocho salarial, como ocorre eventualmente com pessoas de classe média. O NASCE, portanto, foi criado para ajudar necessitados, da igreja ou não.

Diante disso, profissionais de diversas áreas, sensibilizados e solidários, se dispuseram a cooperar. Uns ofereciam serviços médicos, psicológicos, jurídicos, outros ainda em diversas áreas de educação – alfabetização, línguas, culinária, nutrição, música, corte e costura, artes, reparos elétricos e hidráulicos, reflexão sócio-política, etc. - ou simplesmente orientando tecnicamente em questões ligadas, por exemplo, à aposentadoria.

Emerson, porém, não podia dar expediente no projeto, inclusive porque isso exigiria equipamentos indisponíveis. Assim, ofereceu-se para participar abrindo espaço em sua agenda de atendimentos, no consultório, para x consultas semanais a pessoas encaminhadas pelo NASCE. O processo era simples: a pessoa procurava o projeto, comprovava sua necessidade e o dirigente se encarregava de agendar diretamente no consultório. Assim, as pessoas eram atendidas nas mesmas condições de todos os demais clientes seus. Se não bastasse isso, ele realizava x cirurgias mensais sem ônus para o paciente.

Isso serviu de inspiração para diversos outros médicos e profissionais da Igreja que, embora não pudessem ir à sede do projeto, passaram a abrir espaço em seu ambiente profissional para atender necessitados, como manifestação de solidariedade.

Conheço pessoas que são contrárias à mobilização das igrejas para questões sociais. Um dos argumentos usados é que o trabalho social seria função do Estado, cabendo às igrejas somente cuidar da dimensão espiritual da vida. Para elas, a Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:25-37) não significa nada mais do que oferecer uma resposta à questão “quem é o meu próximo?”. Entretanto, a Parábola nos diz muito mais do que isso. Diz, inclusive, que não devemos fugir, diante de alguém com necessidade.

A concentração de renda é a lógica do sistema sócio-econômico vigente e o empobrecimento da imensa maioria, sua conseqüência natural. Exemplo disso é que 1/3 da riqueza mundial está concentrada nos Estados Unidos e 1/3 da riqueza brasileira, em São Paulo. Estudar o sistema em busca de alternativas e lutar politicamente por seu aperfeiçoamento, visando transformá-lo em ferramenta de justiça social, deve ser compromisso e alvo de todos.

Enquanto, porém, mudanças significativas não se tornam realidade no país, nossa criatividade e recursos individuais e comunitários devem ser usados para minimizar os malefícios da estrutura vigente na vida dos empobrecidos. E Deus se agradará disso! (Amós 5.21-24)

A carência nacional é imensa e há muita gente passando de fininho, como fizeram o sacerdote e o levita da Parábola, não por “coincidência”, exatamente os líderes religiosos de então. Émerson – um médico - resolveu agir diferente, fazendo alguma coisa, como o Bom Samaritano. E o fez não por crer que sua salvação dependeria disso, mas simplesmente, por solidariedade. E nós, o que temos feito, como manifestação de solidariedade, através da nossa profissão?

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